25 de agosto de 2008

Contratos de gaveta e o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFH


Muitos são os riscos que envolvem a aquisição de imóvel que já se encontra financiado pelo Sistema de Financiamento Imobiliário (SFH) sem a sua regularização frente ao agente financiador, no caso a Caixa Econômica Federal (CEF).

Neste pequeno artigo pretende-se alinhar os principais riscos desta espécie transação, indicar as medidas mais adequadas a serem tomadas pelos dois contratantes (vendedor, que tem o imóvel financiado em seu nome; e do comprador que paga as parcelas, com o intuito de no final ficar com a propriedade do imóvel, tendo o inconveniente de que o financiamento continua em nome de outrem).


Definição e motivos da existência do contrato de gaveta

O contrato de gaveta é um instrumento caracterizado pelo acordo entre alguém que contraiu um financiamento imobiliário e outro que assume o imóvel e, conseqüentemente, o pagamento da dívida através de um contrato particular, sem receber a anuência do agente financiador.

Segundo o Professor Bruno Mattos E Silva, "os famosos 'contratos de gaveta', no âmbito dos negócios imobiliários, consistem em compromissos de compra e venda (ou em cessão de compromissos de compra e venda...), que não podem ser registrados no cartório imobiliário, em razão de expressa necessidade de intervenção do banco que financia o imóvel na condição de terceiro anuente". (O registro possível dos “contratos de gaveta”, http://www.professoramorim.com.br/amorim/dados/anexos/181.doc).

A jurisprudência também conceitua contrato de gaveta como a "designação atribuída aos negócios jurídicos de promessa de compra e venda de imóvel realizados sem o consentimento da instituição de crédito que financiou a aquisição".(STJ, REsp 119.466/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 04.05.2000, DJ 19.06.2000 p. 140)

Desta forma podemos observar que no contrato de gaveta existem dois contratantes, a) o mutuário, que é aquele que financiou o imóvel junto a CEF; b) o terceiro que assume os direitos e obrigações do antigo proprietário (o mutuário), sendo que este contrato não é levado a conhecimento da CEF, vindo a se tornar irregular na visão do agente financiador.

Alguns dos motivos que levam os contraentes a optar pelo contrato de gaveta são identificados no voto do Sr. Ministro Garcia Vieira, no julgamento efetuado pela Primeira Turma do STJ, no Recurso Especial (REsp) nº 118.059-RS:

"Como se vê, o mutuário só pode transferir o contrato a terceiro se este satisfizer as condições legais e obtiver novo financiamento ou ocorrer a quitação do imóvel. Para que haja a anuência do agente financeiro é indispensável sejam atendidas as exigências legais específicas do Sistema Financeiro, tais como renda familiar suficiente para aquisição da casa própria e não ser o terceiro adquirente proprietário de outro imóvel...
O próprio contrato firmado pelos mutuários com o agente financeiro só admite a transferência do financiamento, com a anuência deste e este contrato é para ser cumprido".


Uns dos motivos, que acredito sejam determinantes na opção pelo contrato de gaveta, é apontado pelo o professor Bruno Mattos E Silva, ob. cit.: as altas taxas de juros praticadas no Brasil. Vejamos os motivos apontados por este insigne jurista:

Na maior parte dos casos, os índices que reajustam o saldo devedor são diferentes dos índices que reajustam o valor da prestação. Em regra, o saldo devedor é reajustado, mês a mês, por índices que refletem a variação das taxas de juros, ao passo que o valor da prestação é reajustado por índices que refletem a variação salarial da categoria do mutuário ou por índices de correção monetária.
O resultado, evidentemente, é um grande descompasso entre o valor do saldo devedor e o valor da prestação. É uma matemática que não fecha. O valor do saldo devedor passa a ser proporcionalmente muito maior do que o valor da prestação. É por isso que é tão comum a existência de dívidas imobiliárias com valor é superior ao valor de mercado do imóvel, a despeito do mutuário ter pago diversas prestações.
Se fosse o valor da prestação recalculado, dividindo-se o valor do débito pelo número de meses faltantes, o valor da prestação passaria ser muito mais alto do que era por ocasião do início do contrato de financiamento.
Os bancos exigem o recálculo para anuir com a venda e com a transferência do valor do financiamento.
Para o comprador, o valor da prestação recalculado dessa forma tornaria inviável a aquisição do imóvel. Opta, assim, por não comunicar ao banco que comprou o imóvel, mantendo-se o financiamento em nome do mutuário que com ele contratou originalmente.


A (ir)regularidade do contrato de gaveta

A CEF considera o contrato de gaveta irregular porque o art. 1° da Lei 8.004/90 que o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) transfira a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, exigindo que a formalização de venda (promessa de venda, cessão ou promessa de cessão do imóvel financiado) se dê em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora.

A jurisprudência, por sua vez, tem reconhecido em diversos julgados a possibilidade da realização dos contratos de gaveta visto que considera legítimo que o cessionário (pessoa a quem se transfere um direito ou crédito) do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no contrato de gaveta:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. FCVS. "CONTRATO DE GAVETA". TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA DA CEF. POSSIBILIDADE.
1. A orientação jurisprudencial desta Corte considera ser o cessionário de imóvel financiado pelo SFH parte legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos através dos cognominados "contratos de gaveta", porquanto, com o advento da Lei n.º 10.150/2000, teve ele reconhecido o direito à sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo.
2. Recurso Especial não provido.
(REsp 868.058/PE, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 17.04.2008, DJ 12.05.2008 p. 1)

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SFH. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CESSÃO DE DIREITOS REALIZADA APÓS OUTUBRO DE 1996.
ANUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SÚMULA N.
7/STJ.
1. Tratando-se de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25 de outubro de 1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquirida legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 922.684/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 03.04.2008, DJ 28.04.2008 p. 1)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FINANCIAMENTO DE IMÓVEL PELO SFH. COBERTURA PELO FCVS. CESSÃO DE DIREITOS CELEBRADA SEM A INTERVENÇÃO DA ENTIDADE FINANCEIRA. "CONTRATO DE GAVETA".
LEGITIMIDADE DO CESSIONÁRIO PARA PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL.
I - "O adquirente de imóvel através de "contrato de gaveta", com o advento da Lei 10.150/200, teve reconhecido o direito à sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo. Por isso, tem o cessionário legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos" (REsp nº 705231/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 16.05.2005).
II - Recurso especial provido.
(REsp 888.572/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05.12.2006, DJ 26.02.2007 p. 566).


Tendo em vista que o direito não deve se divorciar da realidade social a Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assentou na Apelação Cível n° 2002.71.00.047382-1 que "a jurisprudência tem reconhecido a legitimidade dos adquirentes que firmaram os chamados 'contratos de gaveta' nos pleitos relativos ao imóvel financiado, porquanto a utilização social em larga escala desses ajustes não pode ser ignorada nas decisões judiciais".

Quando o cessionário do contrato de gaveta paga integralmente o financiamento, o STJ reconhece o direito de este regularizar o imóvel em seu nome:

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO. NÃO INTERVENÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO. "CONTRATO DE GAVETA". PAGAMENTO INTEGRAL DO MÚTUO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA PELO LAPSO TEMPORAL.
1. Se a transferência de imóvel financiado apesar de efetivada sem consentimento do agente financeiro consolidou-se com o integral pagamento das 180 prestações pactuadas, não faz sentido declarar sua nulidade.
2. Em tal circunstância, os agentes financeiros, que se mantiveram inertes, enquanto durou o financiamento, carecem de interesse jurídico, para resistirem à formalização de transferência.
(REsp 355.771/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.11.2003, DJ 15.12.2003 p. 186).


Não é só a jurisprudência que reconhece a legalidade dos contratos de gaveta, vejamos o posicionamento do advogado especializado em Direito Imobiliário RONALDO GOTLIB COSTA, em seu conceituado Guia do Mutuário em forma de pergunta e resposta, onde, além de deixar claro o direito do contratante, apresenta ácida e acertada crítica a expressão "gaveteiro":

"23. Sou 'gaveteiro'. Também tenho direitos? Em primeiro lugar, é preciso dizer que somos contra esta nomenclatura, 'gaveteiro', pois faz crer que o negócio firmado é ilegal e, por isso, deve estar escondido (na gaveta), o que não é verdade. O contrato de gaveta é perfeitamente legal. Só não é reconhecido pelo banco. Cumpre, porém, todos os requisitos legais que lhe asseguram a validade. Portanto, o gaveteiro pode pleitear seus direitos da mesma forma que o mutuário original".

Desta forma, verifica-e que apenas o agente financiador não reconhece o contrato de gaveta e os direitos e obrigação do cessionário nele inseridos, restando plenamente reconhecido pela ampla maioria da jurisprudência e da doutrina.

Cabe destacar que a Lei nº 10.150/00, prevê a possibilidade de regularização das transferências efetuadas sem a anuência da instituição financeira até 25/10/96, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei nº 8.692/93.


Principais riscos do contrato de gaveta para o comprador

Talvez, o maior problema seja a falta de reconhecimento do contrato de gaveta pelo agente financiador conforme tratamos acima o que gera inúmeros problemas levando os cessionários a recorrerem ao judiciário para verem seus direitos preservados. Alguns destes problemas, que julgarmos mais relevantes, serão analisados a luz da jurisprudência.

Um risco relevante envolve os casos de ocorrência de seguro de vida vinculado ao financiamento, que quite o bem em nome dos herdeiros em caso de falecimento do proprietário original, que contraiu o empréstimo junto ao agente financeiro, cujos herdeiros poderão pleitear a posse do imóvel, dificultando o reconhecimento do contrato de gaveta.

Vejamos como a jurisprudência tem julgado os casos envolvendo o seguro do SFH:

EMENTA: SFH. CONTRATO DE GAVETA. MORTE DO MUTUÁRIO. QUITAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES PELO SEGURO. CONTINUIDADE DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES PELA CESSIONÁRIA. ERRO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITO RECONHECIDO. 1. A jurisprudência tem reconhecido a legitimidade dos adquirentes que firmaram os chamados contratos de gaveta nos pleitos relativos ao imóvel financiado, porquanto a utilização social em larga escala desses ajustes não pode ser ignorada nas decisões judiciais. 2. Com a quitação definitiva do débito pelo seguro, em decorrência do falecimento do mutuário original, os valores pagos posteriormente eram indevidos, impondo-se a sua restituição, de acordo com a regra do artigo 964 do Código Civil de 1916 (atual artigo 876 do CC de 2002). 3. Tendo a autora, a quem foram transferidos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de mútuo habitacional, assumido a posse do imóvel em 28 de dezembro de 1998 e exibido a prova do pagamento das parcelas atrasadas, referentes ao período compreendido entre julho e novembro de 1998, bem como das que venceram, a partir de então, até agosto de 2000, é irrecusável o reconhecimento de que tais pagamentos foram por ela efetuados. 4. A prova da continuidade do pagamento das prestações à instituição financeira, tendo o seguro quitado integralmente as obrigações decorrentes do mútuo, constitui, por si só, a demonstração do erro, nos termos da lei civil, a ensejar a repetição do indébito. 5. Apelo provido. (TRF4, AC 2002.71.00.047382-1, Terceira Turma, Relatora Maria Helena Rau de Souza, DJ 13/04/2005)

Nesta situação o cessionário recebeu o que pagou indevidamente (prestações após a quitação pelo seguro), sendo que não foi noticiado nada em relação a propriedade do imóvel, mas entende-se que a cessionária pode registrar o imóvel em seu nome no CRI.

Outra questão sobre o seguro, é que apesar de o cessionário poder revisar o valor pago ao seguro judicialmente para tentar baixar o seu custo, caso ocorra seu falecimento, os seus herdeiros não poderão usar o valor do seguro para quitar o bem:

EMENTA: SFH. "CONTRATO DE GAVETA". MORTE DO TERCEIRO/ADQUIRENTE. SEGURO HABITACIONAL. QUITAÇÃO DO CONTRATO. INCABIMENTO. Embora válida a transferência de contrato de mútuo hipotecário ao cessionário, mesmo direito não alcança a quitação do bem quando se trata de caso de morte desse (atual) cessionário, já que tal pretensão não encontra respaldo, pois o referido trato foi firmado com o mutuário originário e não com o detentor do contrato de gaveta. Apelação improvida. (TRF4, AC 2004.72.08.002083-5, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 29/08/2007)

DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. TERCEIRO ADQUIRENTE. LEGITIMIDADE ATIVA. SEGURO. IPC DE MARÇO DE 1990. MULTA MORATÓRIA. JUROS ANUAIS EFETIVOS. ANATOCISMO. TÍTULO ILÍQUIDO.
O terceiro adquirente de imóvel financiado pelo SFH, na ausência de prova do não preenchimento, por ele, dos requisitos necessários à obtenção do financiamento em exame, tem legitimidade ativa para propor ação em nome próprio tendo como objeto o respectivo contrato. De examinar-se, preliminarmente, a questão da existência ou não de legitimidade para demandar em juízo, em nome próprio, de terceiro que, mediante a aquisição de imóvel, acaba assumindo a responsabilidade pelo respectivo financiamento sem, todavia, a prévia anuência do agente financeiro.
Mantido o litisconsórcio entre as partes embargantes.
Foi pactuado pelas partes na cláusula vigésima oitava que o vencimento antecipado da dívida por inadimplemento configura-se independentemente de notificação judicial ou extrajudicial.
O seguro porventura previsto no contrato somente poderia dar cobertura por morte para o mutuário que firmou o contrato com o agente financeiro, tendo a respectiva apólice vinculação com o mutuário-cedente e não com o cessionário do contrato de gaveta.
Correta a aplicação pela CEF do IPC de 84,32% sobre o saldo devedor correspondente ao mês de março de 1990. Precedentes da 2a Seção desta Corte, da Corte Especial do STJ e do STF.
A limitação da multa moratória a 2% somente incide em contratos celebrados na vigência da Lei 9.298/96.
A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.
Constatada a ocorrência, no decurso do contrato em exame, de amortizações negativas, deve ser excluída a cobrança de juros sobre juros, vedando-se a incorporação, ao montante principal da dívida, dos valores que, a este título, deixaram de ser pagos e assegurando-se, em decorrência do direito essencial de todo devedor ao pagamento da dívida e, especialmente no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, com fulcro nas Leis nº 4.380/64 e 8.692/93, que os valores pagos pelos mutuários sejam destinados, prioritariamente, à quitação dos acessórios, parcela de amortização e, por último, dos juros.
Evidenciando-se que a CEF está exigindo valores superiores ao devido pela prática de anatocismo, resta carecedor de liquidez o título que embasa a execução extrajudicial.
(TRF 4ª Região; AC - APELAÇÃO CIVEL nº 2003.04.01.057455-5/ PR; QUARTA TURMA; Relator VALDEMAR CAPELETTI; D.E. DATA:16/04/2007)

EMENTA: CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. TRANSFERÊNCIA. REGULARIZAÇÃO. COBERTURA SECURITÁRIA. INVALIDEZ. IMÓVEL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. INDENIZAÇÃO. PROVA. O terceiro adquirente de imóvel financiado pelo SFH, na ausência de prova do não preenchimento, por ele, dos requisitos necessários à obtenção do financiamento em exame, tem legitimidade ativa para propor ação em nome próprio tendo como objeto o respectivo contrato. O seguro porventura previsto no contrato somente poderia dar cobertura por invalidez para o mutuário que firmou o contrato com o agente financeiro, tendo a respectiva apólice vinculação com o mutuário-cedente e não com o cessionário do contrato de gaveta. Não há prova de evento que tenha causado a deterioração precoce do imóvel e tampouco de vício na sua construção. (TRF4, AC 2004.71.00.003925-0, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 13/08/2007)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SFH. TRANSFERÊNCIA DO FINANCIAMENTO. MORTE DO CESSIONÁRIO ("GAVETEIRO"). IMPOSSIBILIDADE DA QUITAÇÃO DO CONTRATO. A morte do cessionário de contrato de financiamento habitacional, cuja cessão se deu sem o conhecimento e concordância do agente financeiro ("contrato de gaveta"), não é causa da cobertura securitária pertinente ao financiamento objeto da cessão, porquanto o contrato de seguro é estranho ao cessionário ("gaveteiro"), não lhe dizendo respeito. Precedentes desta Corte. (TRF4, AC 2003.72.08.006653-3, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 08/08/2007)

Não podemos deixar de mencionar que um dos riscos seja a má fé de quem vendeu. Nada impede o antigo proprietário de vender novamente, uma vez que não há registro da operação em qualquer lugar, nem no cartório de imóveis.

No caso do vendedor ter dois imóveis, o comprador pode perder o direito de quitar o imóvel usando o FCVS (Fundo de Compensação de Variação Salarial).

Nos contratos com equivalência salarial, as prestações são corrigidas anualmente de acordo com o aumento salarial concedido para cada categoria. Se a categoria profissional do proprietário original der aumentos maiores que a do comprador, as prestações vão subir acima do que deveriam.

O novo proprietário não pode usar seu FGTS para quitar o imóvel ou amortizar a dívida.

O comprador fica impedido de quitar o imóvel se o proprietário original mudar para endereço desconhecido, pois é necessária a assinatura do vendedor.

Por último, caso o vendedor enfrente dificuldades financeiras, é possível que o imóvel, que segue em seu nome seja penhorado, neste caso caberão embargos de terceiro para que seja desconstituída a penhora. Entretanto cabe destacar que para se prevenir quanto este risco a primeira providência recomendada é a investigação da ficha do vendedor, pois, em caso de ser acionada na justiça por qualquer dívida, o bem poderá ser penhorado, e a certidão de matrícula do imóvel no cartório de registro, no sentido de confirmar a inexistência de parcelas em atraso no banco ou dívidas de IPTU junto à prefeitura local.

Para que não haja dificuldades maiores quanto ao registro é indispensável que o comprador exija do vendedor a outorga de uma procuração para facilitar a transferência do bem para o seu nome quando quitar a dívida, devendo sempre possuir os comprovantes de pagamento das parcelas do financiamento, que servirão de prova da compra.

A procuração, apesar de ser algo fácil de se fazer, precisa de alguns cuidados. O primeiro ponto é que o comprador não poderá ser o mandatário (aquele que age em nome de outrem), porque se o mandatário agir em seu próprio nome, não vincula o mandante (aquele que passou a procuração) e assim não será possível a transferência do imóvel do mutuário originário para o comprador - gaveteiro.

Outro ponto são os poderes constantes na procuração. Como se verá adiante, o vendedor também corre alguns riscos. Desta forma, é indicado que os contraentes procurem um bom escritório de advocacia para que nele seja feita a procuração em nome de seus sócios, que poderá ser sem os poderes para litigar em juízo, na qual constem somente os poderes específicos, na qual conste os requisitos para que haja a transferência, a menção ao contrato, e o nome para quem será efetuada a transferência, no caso do comprador. Agindo assim, o vendedor poderá terá se resguardo de algum eventual problema e o comprador terá salvaguardado seu direito à transferência se agir conforme o contrato.

Não obstante a tomada destas atitudes, o ideal é tirar o contrato da gaveta e levar ao conhecimento do mutuário, regularizando a situação, embora o novo mutuário não possa ter restrições de crédito e precise apresentar capacidade de pagamento.


Principais riscos do contrato de gaveta para o vendedor

Uma das dificuldades enfrentadas neste caso seria a impossibilidade de levantar novos financiamentos, afinal o vendedor já tem um financiamento em seu nome.

Outra situação muito desagradável é aquela que envolve um comprador inadimplente; ou seja, apesar de pagar o que lhe deve o comprador do imóvel atrasa o pagamento das prestações do financiamento e nome do vendedor é colocado na lista de maus pagadores ou é executado pelo agente financeiro.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região "se os direitos sobre o imóvel cuja compra foi financiada pelo Sistema Financeiro de Habitação forem transferidos a terceiros, no caso de ocorrer a inadimplência, correto é o lançamento do nome do mutuário no cadastro dos devedores – CADIN, e não dos terceiros alheios ao contrato de mútuo. Apelo improvido". (TRF4, AC 1999.04.01.021546-0, Quarta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, DJ 04/10/2000

Sobre a possibilidade de o vendedor ser executado a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade do mutuário original, que neste caso será considerado parte legítima para figurar no pólo passivo da execução devido ao inadimplemento, porquanto a transferência que efetuaram a terceiro foi sem autorização do agente financeiro - CEF:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUTUÁRIO NA EXECUÇÃO DA HIPOTECA INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL OBJETO DO FINANCIAMENTO. O mutuário de financiamento habitacional garantido por hipoteca que transfira a terceiro, sem autorização do agente financeiro (através do denominado "contrato de gaveta"), este financiamento não se desobriga de responder pelo inadimplemento do contrato que firmou com a CEF. Precedentes desta Corte e do STJ. (TRF4, AC 2006.72.08.005017-4, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 13/06/2007)

Deste julgado do TRF4 merece destaque o seguinte trecho:

Com efeito, é entendimento consolidado na jurisprudência desta Corte, assim como do STJ, de que o mutuário de financiamento habitacional garantido por hipoteca que transfira a terceiro, sem autorização do agente financeiro (através do denominado "contrato de gaveta"), este financiamento não se desobriga de responder pelo inadimplemento do contrato que firmou com a CEF.
E é irrefutável o fundamento desse entendimento: o contrato particular de financiamento habitacional, com pacto adjeto de hipoteca, que é executado pelo agente financeiro tem como parte contratante o mutuário, inexistindo neste instrumento qualquer referência a eventual terceiro a quem o financiamento tenha, sem ciência e autorização da instituição financeira, sido transferido.
Nesse sentido reproduzo precedentes ilustrativos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. FCVS. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA DA MUTUANTE. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA CESSIONÁRIA. NÃO-RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. PROVIMENTO DO APELO.
....
2. A Lei n° 10.150/2000 alterou os critérios para a formalização da transferência de financiamentos celebrados no âmbito do SFH. Isto não significa, entretanto, que tenha reconhecido válidas, de modo incondicionado e imediato, todas as sub-rogações ocorridas sem a expressa concordância da mutuante. O mencionado diploma legal é claro no seu art. 20, caput, vejamos: "As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei n° 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta Lei". Não se extrai do teor da norma legal em comento a dispensa da concordância da instituição financeira para a transferência do contrato de mútuo. A lei apenas dá ao adquirente do imóvel financiado, que obteve a cessão do financiamento sem o consentimento da mutuante, a oportunidade de regularizar sua situação, o que deve ser realizado segundo os termos ali dispostos.
3. A recorrida, em momento algum, logrou comprovar que procedeu à regularização da transferência tal como exigido no citado dispositivo legal. Dessarte, enquanto não demonstrada cabalmente a regularização da transferência do contrato de mútuo, consoante os termos da Lei n° 10.150/2000, impossível atribuir ao cessionário do financiamento legitimidade para postular eventuais revisões das cláusulas contratuais.
4. Recurso especial provido para restabelecer os fundamentos e efeitos da sentença.
(REsp 653155/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17.02.2005, DJ 11.04.2005 p. 190)

EMENTA: SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. PES. CESSÃO SEM CONSENTIMENTO DO AGENTE FINANCEIRO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS MUTUÁRIOS. LEGALIDADE DA EXECUÇÃO. LIQUIDEZ DO TÍTULO EXECUTIVO.
1. Embora os mutuários tenham transferido o imóvel, é certo que figuram como contratantes inadimplentes, relativamente ao contrato firmado com o agente financeiro, ao qual o imóvel permanece vinculado como garantia hipotecária.
2. Legitimidade confirmada, porque o que está sendo executado é a dívida por eles assumida, a qual, por vencida antecipadamente, não pode ser cobrada daqueles que não possuem qualquer vínculo com a CEF.
3. A venda do imóvel, sem a concordância expressa do agente financeiro, traz como consequência o vencimento antecipado da dívida, sendo que mera comunicação por parte dos mutuários não elide a infração contratual, pois a lei não fixou prazo para o credor hipotecário manifestar sua concordância ou discordância, nem agasalha a figura da anuência tácita.
4. A garantia hipotecária não desaparece pela simples cessão de direitos e obrigações, estranha que é ao negócio jurídico originário, que só se extingue com o pagamento integral da dívida, permanecendo o imóvel vinculado ao mesmo, porque a posse e o instrumento apresentado como apto a transmitir a propriedade não bastam para afastar a constrição judicial.
5. Validade da cláusula contratual que embasa a execução.
6. Sentença mantida. Legitimidade passiva confirmada. Apelação improvida.
(TRF4, AC 95.04.57934-5, Quarta Turma, Relator Silvia Maria Gonçalves Goraieb, publicado em 24/07/1996)


Além disto, se o comprador voltar a vender o imóvel através de contrato de gaveta, você se encontra na situação em que seu nome segue como o titular do financiamento, mas sequer conhece a pessoa responsável pelo pagamento das prestações. Caso queira usar o FGTS na compra de outro imóvel poderá ter problemas, já que a legislação impede o uso de recursos do FGTS para compra de segundo imóvel.

Conclusão

Como visto, o contrato de gaveta oferece suas vantagens ao mesmo tempo em que possibilita enormes riscos às partes contratantes.

A melhor forma de evitar os riscos é regularizar o contrato. Caso isto não seja possível ou as partes não o queiram, o melhor será procurar um escritório de advocacia para que esta compra e venda seja bem ajustada, notadamente referente as obrigações das partes (como pagamento ao agente financiador) e a transferência do imóvel ao final do financiamento ao comprador, que para não necessitar ingressar na justiça deverá contar com a colaboração do vendedor, o mutuário original, devendo este ir ao agente financiador e providenciar a transferência do imóvel para o comprador ou outorgar uma procuração para terceiro, de preferência em um escritório que tenha mais de um advogado e conste o nome de mais de um deles na procuração.