27 de agosto de 2008

STJ decide que o Código Tributário prevalece sobre protocolo que reduziu imposto de importação



Veja a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 640.584 - RJ (2004⁄0017259-1)

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL
RECORRIDO: XXXX

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – REDUÇÃO DA ALÍQUOTA DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO DE 30% PARA 3% – IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA – ART. 1º DO DECRETO N. 99.044⁄90 – PREVALÊNCIA DO ARTIGO 105 DO CTN – INAPLICABILIDADE DO ART. 106, II, C, DO CTN.
1. O art. 3º do Sexto Protocolo Adicional do Acordo Comercial n. 15, incorporado ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto n. 99.044, de 7.3.1990, prevê a redução do percentual do imposto de importação sobre produtos químicos farmacêuticos de 30% para 3% a partir de 1º de janeiro de 1988.
2. Muito embora o Decreto n. 99.044⁄90 reze em seu art. 1º que o Sexto Protocolo Adicional ao Acordo Comercial n. 15 "será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, inclusive quanto à sua vigência", referido dispositivo conflita com o ditame insculpido no Código Tributário Nacional, que por se tratar de lei complementar, deve prevalecer sobre aquele.
3. O art. 106, II, c, do CTN, que dispõe que a lei mais benéfica ao contribuinte aplica-se a ato ou fato pretérito, desde que não tenha sido definitivamente julgado, aplica-se tão-somente para penalidades, o que não é o caso dos autos.
Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de agosto de 2008 (Data do Julgamento)

MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):


Cuida-se de recurso especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual ficou assim ementado:

"EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FATO GERADOR ALCANÇADO POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO DO DECRETO 99.044⁄90. EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE COM CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
- Trata-se de remessa necessária e apelação da Fazenda Nacional, face à sentença que julgou extinto os presentes embargos à execução fiscal, determinando o levantamento da penhora, tendo em vista que o autor não se encontra na qualidade de devedor do crédito tributário, por estar amparado pelo Decreto nº 99.044, de 7.3.1990.
- O decreto 99.044⁄90 permitiu a incidência do Sexto Protocolo Adicional do Acordo Comercial nº 15, desde a data que este estipulou para sua entrada em vigor, alcançando o fato gerador.
- O termo de responsabilidade assinado pelo apelado não pode ser objeto de execução fiscal, por não constituir um crédito tributário.
- Ausência de incompatibilidade com o artigo 105, do Código Tributário Nacional, pois o fato gerador não é pretérito à norma.
- Recurso improvido."

Nas razões recursais, aponta a recorrente contrariedade aos artigos 105 e 106 do Código Tributário Nacional, porquanto "embora o Decreto n. 99.044, de 07 de março de 1990, diga em seu artigo primeiro que o já citado protocolo comercial 'será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, inclusive quanto à sua vigência', este dispositivo conflita com o CTN, razão pela qual não deve prevalecer." (fl. 105)

Sustenta, outrossim, a inaplicabilidade à hipótese da alínea "c" do inciso II do art. 106 do Código Tributário Nacional.

Apresentadas as contra-razões às fls. 109⁄112, sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da instância de origem (fl. 118).

É, no essencial, o relatório.


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):


DA PRETENSÃO RECURSAL

A pretensão recursal diz respeito à possibilidade de aplicação de lei posterior mais benéfica ao contribuinte, a fim de reduzir o percentual do imposto de importação incidente na operação de 30% para 3%, em decorrência do redução contida no Sexto Protocolo Adicional do Acordo Comercial n. 15, no setor da indústria química farmacêutica dos países membros da Associação Latino-Americana de Integração – ALADI.

DA SÍNTESE DOS FATOS

Extrai-se dos autos que MERCK S⁄A INDUSTRIAS QUÍMICAS, ora recorrida, importou 20 quilos da substância cianocobalamina (cobamina, Vitamina B-12) em 31.5.1988. Na ocasião, as autoridades alfandegárias exigiram para o desembaraço do item, um termo de responsabilidade, assinado pelo importador, liberando o produto pela tarifa dos referidos 3% (três por cento).

O artigo 3º do Sexto Protocolo Adicional ao Acordo Comercial n. 15 dispôs que “O presente Protocolo vigorará a partir de 1º de janeiro de 1988”.

Com o Decreto n. 99.044, de 7.3.1990, referido Protocolo foi incorporado ao ordenamento jurídico interno, nos seguintes termos:

“Art. 1º O Sexto Protocolo Adicional ao Acordo Comercial n. 15 no Setor da Indústria Químico-Farmacêutica, entre o Brasil a Argentina e o México, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, inclusive quanto a sua vigência.”


A sentença julgou extinto os embargos à execução fiscal, determinando o levantamento da penhora, em vista de que o importador não se encontra na qualidade de devedor do crédito tributário, por estar amparado pelo Decreto n. 99.044, de 7.3.1990.

O Tribunal de origem negou provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação fazendária, por entender que a data a partir da qual incidem os efeitos do Sexto Protocolo Adicional ao Acordo Comercial n. 15, não é a data da entrada em vigor do Decreto n. 99.044⁄90, e sim a da vigência nele especificada, em seu artigo 3º.

DA IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA

Superada a síntese dos fatos, importante rememorar que a aplicação da legislação tributária não deve ocorrer em se tratando de fatos geradores a ela antecedentes e já consumados. É o que dispõe o artigo 105 do Código Tributário Nacional, verbis:


"Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do art. 116.


Logo, na hipótese dos autos, muito embora o Decreto n. 99.044⁄90 reze em seu art. 1º que o Sexto Protocolo Adicional ao Acordo Comercial n. 15 "será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém, inclusive quanto à sua vigência", referido dispositivo conflita com o ditame insculpido no Código Tributário Nacional, que por se tratar de lei complementar, deve prevalecer sobre aquele.

DA INAPLICABILIDADE DO ART. 106, II, "C", DO CTN

Cumpre esclarecer, por oportuno, que o art. 106, inciso II, alínea "c" do Código Tributário Nacional, excetuando a regra do art. 105 do mesmo diploma, ao prever a retroatividade da lei mais benéfica, procurou estender aos contribuintes inadimplentes as idênticas condições dos regidos pela lei ulterior, menos gravosa, todavia, aplica-se tão-somente para penalidades, o que não é o caso dos autos. A saber:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
(...)
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
(...)
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática." (grifei)


Desacertada, portanto, a aplicação, pela Corte de origem, do art. 106, inciso II, alínea "c", do Código Tributário Nacional na hipótese presente, ante a impossibilidade de retroação do Decreto n. 99.044⁄90 a fato gerador surgido com desembaraço aduaneiro anterior, nos termos do art. 105 do Código Tributário Nacional.

Ante o exposto, configurada a violação do art. 105 do Código Tributário Nacional, dou provimento ao recurso especial.

É como penso. É como voto.


MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator