Certamente muitos já ouviram falar em justiça gratuita, entretanto, grande parte da população não sabe o que ela é e o que ela oferece a todos aqueles que necessitam socorrer-se ao judiciário e não tem condições financeiras de arcar com as taxas cobradas pela justiça, incluindo os honorários advocatícios que o juiz condena a parte vencida pagar ao vencedor, que geralmente variam entre 10 e 20% do valor da ação.
Para garantir o acesso a todos ao Poder Judiciário o governo militar, através do então Presidente Eurico G. Dutra, no ano de 1950, no dia 5 de fevereiro, publicou a Lei n° 1.060, que instituiu as nomas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, conhecida nos tribunais e pelos advogados pela sigla AJG (Assistência Judiciária Gratuita).
Esta lei está plenamente em conformidade com o que dispõe o art. 5°, inciso LXXIV da nossa Constituição: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Quem pode fazer uso da AJG?
Os beneficiários da Lei 1.060/50 se encontram no artigo 2° e seu parágrafo único da lei:
"Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.
Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família".
A primeira consideração a ser feita é que devido a amplitude do texto constitucional, acima citado, devemos entender que a restrição aos “estrangeiros residentes no país” não foi aceita ou recepcionada pela nossa Constituição, sendo que até mesmo os estrangeiros com estadia transitória em nosso país tem acesso a assistência desde que comprove “insuficiência de recursos”.
Para que a pessoa obtenha a AJG basta a declaração de que a sua situação econômica não permite ir ao judiciário sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Esta declaração pode ser feita pelo interessado ou pelo seu advogado desde que seja assinada pelo próprio interessado. Entretanto, caso o juiz tenha dúvida sobre a veracidade da declaração, poderá ordenar a comprovação do estado de necessidade do beneficiário.
Theotonio Negrão cita caso curioso do Tribunal de Justiça de São Paulo “em que se indeferiu a concessão da assistência judiciária porque, apesar de ter requerido o benefício, o interessado deixou de afirmar que não tinha ‘condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem o prejuízo próprio ou de sua família”. (Código de Processo Civil Comentado, 39ª edição, Saraiva : 2007, p. 1293)
A jurisprudência tem entendido que a aprte que recebe até aproximadamente R$ 800,00 mensais tem direito a AJG, mas como no direito as coisas não são matemática este valor pode variar para mais dependendo das provas que o interessado possa produzir e demonstrar que não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem o prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Com efeito, o texto do caput do artigo 4° da Lei 1.060/50 é bem claro neste sentido: “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família” (redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986), logo se não tiver esta afirmação, não há como o juiz conceder a AJG ao interessado.
Existe a possibilidade de o Espólio (herança a ser apurada em juízo) também pode ser beneficiada pela AJG desde que demonstre a impossibilidade de atender às despesas do processo. Há também entendimento jurisprudencial no sentido de que a AJG se estende também às Pessoas Jurídicas, mesmo que tenham fins lucrativos, independentemente de ser micro ou pequena empresa. A título de exemplificação podemos citar sindicatos e condomínios desde que seja demonstrado efetivamente o estado de penúria.
Quanto a pessoa jurídica, o procedimento de concessão da AJG é diferente caso seja ela com ou sem fins lucrativos. Se ele busca o lucro, ela deverá comprovar a miserabilidade por documentos públicos ou particulares, por exemplo a declaração do imposto de renda, livros contábeis registrados na junta comercial, etc. , não bastando a mera declaração da empresa interessada. Para a pessoa jurídica sem fins lucrativos o procedimento é semelhante ao da pessoa física, bastando a declaração de pobreza.
Importante destacar que segundo o parágrafo primeiro do art. 4°, com redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986, aquele que fizer a declaração de pobreza e não for pobre será condenado a pagar até dez vezes mais o valor das custas judiciais:
“§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais”.
O pedido de assistência judiciária gratuita poderá ser requerido a qualquer tempo, até mesmo no final da ação porque as condições econômicas das partes podem mudar durante a tramitação do processo.
Isenções compreendidas na AJG
O beneficiário da AJG não precisará arcar com as seguintes despesas:
a) das taxas judiciárias e dos selos;
b) dos emolumentos e custas devidos aos serventuários da justiça;
c) das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
d) das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;
e) dos honorários de advogado e peritos;
f) das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.
Segundo o art. 9º da Lei, “os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”. A redação está tão cristalina que dispensa qualquer espécie de comentário.
Modificação da situação econômica do beneficiário da AJG
Caso o beneficiário da assistência judiciária gratuita venha a ter sua situação econômica alterada ela terá de pagar as despesas do processo. Com efeito, reza o art. 12 da Lei 1.060/50:
"Art. 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita".
Assim, o beneficiário está sujeito ao pagamento das despesas judiciais, incluindo honorários de advogado, até o transcurso do prazo de 5 (cinco) anos a contar da sentença final, a última, da sentença que não caiba mais nenhum recurso, ou seja, do transito em julgado.
Cabe salientar que a outra parte tem o direito de impugnar a declaração de pobreza, para tanto ele deverá seguir as regras do art. 7° e 8°:
"Art. 7º. A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão.
Parágrafo único. Omissis
Art. 8º. Ocorrendo as circunstâncias mencionadas no artigo anterior, poderá o juiz, ex-offício, decretar a revogação dos benefícios, ouvida a parte interessada dentro de quarenta e oito horas improrrogáveis".
Se a parte contrária provar que o beneficiário da AJG não é pobre ou mudou para melhor sua condição econômica poderá, em qualquer momento processual, requerer a revogação do benefício, sem que haja suspensão do processo, e com total respeito ao contraditório, conferindo-se a parte beneficiária da AJG o direito de defender-se e apresentar as provas que achar necessárias.
Acredito que estas sejam as principais características da Assistêncai Judiciária Gratuita, evidentemente não foram esgotadas todas as nuances deste instituto, mas espero ter contribuído em esclarecer alguns aspectos deste importante instituto jurídico que garante acesso ao Poder Judiciário àqueles que não tem condições de arcar com as despesas judiciais e nem mora próximo das defensorias públicas da União e dos Estados.