14 de agosto de 2008

Guarda Compartilhada: algumas considerações

por Gilberto Souza

A guarda compartilhada é uma criação da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que de longa data já vem aplicando este sistema.

Como a legislação, muitas vezes corre atrás dos fatos sociais, somente neste ano de 2008 esta espécie de guarda foi positivada (transformada em lei) através da Lei 11.698/2008.

Tendo em vista que esta regra entrou em vigor no dia 13/08/2008 (ontem) resta-nos fazer alguma considerações sobre esta nova forma de guarda dos filhos de pais que estão se separando, divorciando ou já se encontram nesta situação.

Primeiramente cabe salientar que na guarda compartilhada, os pais passam a dividir a responsabilidade sobre os filhos. Todas as deliberações sobre a rotina da criança, como escola, viagens, atividades físicas, passam a ser tomadas em conjunto.

Trata-se de guarda opcional. Alguns autores dizem que ela poderá ser fixada por escolha do pai e da mãe ou por determinação judicial. Nos parece um tanto equivocado este entendimento. Levando em consideração que o instituto da Guarda leva em consideração o bem-estar da criança, devemos verificar que são muitas as decisões que os pais terão de tomar em conjunto, e isto em hipótese alguma deverá redundar em conflito ou em qualquer espécie de vingança pessoal apenas para levar transtorno ao ex-cônjuge.

Desta forma, para que seja possível a guarda compartilhada é indispensável "amigos". Não pode haver entre eles nenhum ranço ou ressentimento que influencie nas decisões a serem tomadas em conjunto.

Deve-se destacar que a guarda compartilhada tem como objetivo principal minimizar a sensação de quebra da família para a criança, o ideal (uma utopia) seria que ele nem percebesse mudanças significativas no comportamento familiar, mas isso sabemos que é impossível. Desta forma, como a família sofrerá alterações, como os pais serão amigos e freqüentarão a casa um do outro para conversarem e visitar a criança - sem que haja uma hora determinada pelo juiz, bastando que os pais agendem tal visita -, independentemente da constituição de uma nova família por ambos os cônjuges.

Assim, o magistrado não pode submeter o ex-casal a guarda compartilhada através de uma determinação judicial a revelia da vontade do casal, devendo limitar-se a aconselhá-los a utilizar esta modalidade de guarda explicando minuciosamente o seu funcionamento, suas vantagens e porque não algumas de suas desvantagens, se houver, levando em consideração sempre o estado de ânimo existente entre o casal que está se separando ou divorciando.

A guarda compartilhada pode ser solicitada a qualquer tempo, de preferência pelos dois pais da criança porque esta deve ser uma decisão em conjunto, evitando-se que aquele pego de surpresa crie resistências a adoção da guarda compartilhada.

Uma outra questão que tem surgido nos tribunais é o pedido de guarda compartilhada conjuntamente com a redução da pensão alimentícia. Primeiramente cabe destacar que a pensão é u direito da criança devido a sua incapacidade de se auto sustentar, e mesmo que haja guarda compartilhada, se houver necessidade de pagamento de pensão à criança, esta será determinada.

Desta forma, os tribunais, notadamente o TJRS, não têm deferido a redução da pensão alimentícia tendo como causa a utilização da guarda compartilhada. Até mesmo porque, como foi visto, a guarda compartilhada deve ser um acordo entre os pais, e se eles chegaram a este acordo devem ter também tratado da pensão alimentícia.

Em conclusão, a guarda compartilhada somente deve ser utilizada quando os ex-cônjuges se encontrem numa situação harmoniosa de amizade e tenham acordado esta situação, não podendo ser determinada pelo juiz sem levar em consideração a vontade dos pais envolvidos e, por último, o pedido de guarda compartilhada não possibilita por si só a redução da pensão alimentícia ao filho.
Atualização em 02/09/2011:
Em recente decisão os STJ, a Ministra Nancy Andrighi decidiu que a guarda compartilhada pode ser decretada mesmo sem consenso entre pais.
Abaixo a reportagem extraída do site do Superior Tribunal de Justiça:
Mesmo que não haja consenso entre os pais, a guarda compartilhada de menor pode ser decretada em juízo. A Terceira Turma adotou esse entendimento ao julgar recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), interposto por pai que pretendia ter a guarda exclusiva do filho.
O pai requereu a guarda do filho sob a alegação de que a ex-mulher tentou levá-lo para morar em outra cidade. Alegou ter melhores condições para criar a criança do que a mãe. Na primeira instância, foi determinada a guarda compartilhada, com alternância de fins de semana, férias e feriados. Além disso, o filho deveria passar três dias da semana com um dos pais e quatro com outro, também alternadamente.
O pai recorreu, mas o TJMG manteve o julgado anterior por considerar que não havia razões para alterar a guarda compartilhada. Para o tribunal mineiro, os interesses do menor são mais bem atendidos desse modo.
No recurso ao STJ, o pai alegou que a decisão do TJMG teria contrariado os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, que regulam a guarda compartilhada – a qual, para ele, só deveria ser deferida se houvesse relacionamento cordato entre os pais. Alegou ainda que a alternância entre as casas dos pais caracterizaria a guarda alternada, repudiada pela doutrina por causar efeitos negativos à criança.
A questão da necessidade de consenso entre os pais é um tema novo no STJ, destacou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi. Ela lembrou que a guarda compartilhada entrou na legislação brasileira apenas em 2008 (com a Lei 11.698, que alterou o Código Civil de 2002) e que a necessidade de consenso tem gerado acirradas discussões entre os doutrinadores.
“Os direitos dos pais em relação aos filhos são, na verdade, outorgas legais que têm por objetivo a proteção à criança e ao adolescente”, asseverou, acrescentando que “exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor”.
A ministra disse que o CC de 2002 deu ênfase ao exercício conjunto do poder familiar em caso de separação – não mais apenas pelas mães, como era tradicional. “O poder familiar deve ser exercido, nos limites de sua possibilidade, por ambos os genitores. Infere-se dessa premissa a primazia da guarda compartilhada sobre a unilateral”, afirmou. Ela apontou que, apesar do consenso ser desejável, a separação geralmente ocorre quando há maior distanciamento do casal. Portanto, tal exigência deve ser avaliada com ponderação.
“É questionável a afirmação de que a litigiosidade entre os pais impede a fixação da guarda compartilhada, pois se ignora toda a estruturação teórica, prática e legal que aponta para a adoção da guarda compartilhada como regra”, disse a ministra. O foco, salientou, deve ser sempre o bem estar do menor, que é mais bem atendido com a guarda compartilhada pelo ex-casal. A ação de equipe interdisciplinar, prevista no artigo 1.584, parágrafo 3º, visa exatamente a facilitar o exercício da guarda compartilhada.
A ministra admitiu que o compartilhamento da guarda pode ser dificultado pela intransigência de um ou de ambos os pais, contudo, mesmo assim, o procedimento deve ser buscado. “A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”, afirmou ela.
Segundo Nancy Andrighi, “a drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão”.
A relatora também considerou que não ficou caracterizada a guarda alternada. Nesses casos, quando a criança está com um dos pais, este exerce totalmente o poder familiar. Na compartilhada, mesmo que a custódia física esteja com um dos pais, os dois têm autoridade legal sobre o menor.
Ela afirmou ainda que “a guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta, sempre que possível, como sua efetiva expressão”. Detalhes como localização das residências, capacidade financeira, disponibilidade de tempo e rotinas do menor, de acordo com a ministra, devem ser levados em conta nas definições sobre a custódia física.
Rejeitado o recurso do pai, a guarda compartilhada foi mantida nos termos definidos pela Justiça de Minas Gerais.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
Veja diretamente no site do STJ.